sexta-feira, 4 de maio de 2012

OPERAÇÃO: PINGOS DE COBRA AZEDA

Nos dias que passam não se fala de outro assunto que não a campanha polémica do Pingo Doce no dia 1 de Maio, é na Assembleia da Republica, imprensa, jornais, cafés, televisão (nos mais diversos programas como telejornais, programas de humor, debates e afins), onde estiverem duas pessoas mais tarde ou mais cedo a conversa surge, as opiniões dividem-se ora contra, ora a favor.
Tem-se falado muito na estratégia Jerónimo Martins e nos fatores ideológicos intrínsecos à definição de tal campanha, e quanto a mim são opiniões muito pertinentes e das quais não podemos descurar, mas o principal aspeto que me saltou aos olhos foi o desespero com que os consumidores correram para as superfícies.
Em filas gigantescas com horas de espera, gramando os mais diversos estados de espirito, as pessoas lutaram para poderem usufruir dos descontos (e que descontos), gritaram, chatearam-se, discutiram, houve até quem retirasse de outros carrinhos produtos esgotados nos lineares, suportaram empurrões, pisadelas, na ansia de pouparem alguns euros, no dia da maioria deles- o dia do trabalhador, sim porque a outra maioria eram desempregados onde cada cêntimo faz a diferença no orçamento familiar.
Muitos enchem a boca para criticar tais atitudes, mas regra geral, são também os mesmos que mandam as empregadas às compras e que nem precisam de pesquisar preços. Outros dizem “quem aderiu à promoção foi quem tinha dinheiro, porque para gastar no mínimo 100€, é preciso tê-lo”, argumentos que não entendo porque quem faz compras e faz as refeições em casa, (e não necessita de ter um agregado familiar muito grande) sabe perfeitamente que são valores que se alcançam rapidamente em poucos produtos.
Na minha cidade as filas eram gigantescas e pensei que estávamos a viver uma Grande Depressão com as senhas de racionamento, onde para alcançar os bens de primeira necessidade vale tudo. Muitas conclusões se podem retirar daqui, a primeira que me surge é: “em que estado chegou Portugal? O que foi feito do civismo e das boas maneiras? O que as pessoas têm de fazer para poupar algum dinheiro?”.
É muito triste observar que a classe baixa e a classe média, na atualidade, estão efetivamente cada vez mais longe das classes mais altas, até em termos de comportamentos sociais.
Obviamente que não se pode descurar o facto de tal campanha ter sido engendrada da forma que foi e para o dia que foi: 1 de Maio – dia do Trabalhador e para o qual estava agendada uma greve geral dos trabalhadores do sector. O secretismo que moveu a ação é também ele estranho, mas funcionou na perfeição, a notícia caiu como uma bomba e desmobilizou toda a gente da greve, algumas para os postos de trabalho e outras para as filas ou não fossem elas trabalhadores com parcos rendimentos.
Os noticiários abriram com a notícia Pingo Doce e não com as greves e a revolta social sobre os direitos que estão constantemente a ser roubados, esta enorme coincidência não podia ter sido melhor para o Governo.
Há outro fator muito estranho e que não pode ser descurado, como é que uma superfície consegue colocar preços com 50% de desconto em todas as referências, onde a determinação das margens em alguns é muito baixa? A resposta para mim é simples: das duas uma ou nos roubam constantemente, e de uma forma desavergonhada e assumida no dia 1, ou venderam abaixo de custo na generalidade dos produtos, fazendo Dumping aniquilando a concorrência pela falta de escrúpulos e até de gestão. Trabalhadores de outras superfícies grandes ou pequenas vão ser penalizados ainda mais pela falta de consumidores pelo menos durante as próximas semanas, numa altura, por norma de caducidade de contratos a termo (maioria contratual das grandes superfícies) não sei até que ponto não irão contribuir para o crescimento da nossa querida taxa de desemprego.
Um outro item que me faz aquecer o sangue, é dizerem que foi uma excelente estratégia de marketing, ora sendo eu de marketing, não podia estar mais em desacordo, pois nunca fui a favor da célebre frase “falem bem ou mal, o que importa é que falem”. Uma ação que dificilmente trouxe retorno financeiro, muito pelo contrário – a não ser que alguém saia bem prejudicado, como por exemplo os fornecedores e trabalhadores, não trouxe notoriedade positiva, pois por mais que se percam em argumentos como: isto foi para ajudar os trabalhadores, foi uma estratégia para ajudar no orçamento familiar, obviamente que ninguém acredita (penso eu), pois se estivessem muito preocupados com o País não se mudavam de armas e bagagens para a Holanda.
Foi feito um marketing desastroso sem ética, estratégia, princípios e sobretudo respeito pelo cliente – missão primordial das organizações. Pois se assim fosse fariam a campanha noutro dia e não num dia tão simbólico como o dia 1 de Maio.
Para mim foi percetível a vitória do poder económico sobre as classes sociais mais desfavorecidas que obviamente trocaram os gritos de revolta pela mercearia necessária para o alimento do mês.
Uma tremenda vergonha