Como
uma tela, sou pincelada de várias nuances de cores, ora mais dramáticas, ora
mais singelas, carregadas e sombrias, mais suaves e quase ténues.
Fui
sendo construída por vários mundos.
Os
mundos que me fazem ser uma mulher cheia de histórias e historietas.
Onde
cada bocadinho é feito de um novo mistério.
São
tantos que nem mesmo eu os conheço a todos.
Sou
habitada por várias personalidades, onde cada uma é alienada das restantes:
A
revoltada, indignada, amargurada, angustiada…
A
sonhadora, imaginativa, criativa…
A
artista, desiluda, solitária…
A
manipuladora, controladora, egocêntrica…
A
profissional, exigente, picuinhas…
A
amante, genuína, expressiva…
A
cómica, extrovertida, livre…
A
cantora desafinada, intensa…
A
líder, autoritária, indomável…
A
tarada, insaciada, voraz…
A
desleixada, desligada, despreocupada…
A
tímida, medrosa, insegura…
A
amiga, preocupada, verdadeira, autentica…
Nem
sempre as personalidades surgem pela ordem colocada, todas se misturam em
diferentes situações.
Existe
uma que nem sempre me acompanha:
-
A estranha que, de quando em vez, vai acordando comigo, transformando os dias
comuns em safaris repletos de montanhas russas imprevisíveis.
Tenho
o ouvido bem aguçado para escutar o turbilhão de musiquetas que saem dos
outros, em muitas ocasiões sem recorrerem a qualquer som, saltam diretamente
dos seus corações.
A
minha boca é grande, mas nem sempre os pensamentos saem facilmente, apertam-se e
saem atropelados, aos trambolhões gritando as silabas de forma desconexa e
descontrolada. Qual porta de emergência do coração, os sentimentos abrem-na sem
qualquer dificuldade, passam pela rampa da língua e saltam para o ar,
desconhecendo o resultado final do salto.
Sempre
tive olhos grandes, grandes demais (acho) de cor castanha, cor da honestidade,
pelo menos assim reza a música. São independentes, como um órgão livre procuram
encontrar as estradas da felicidade em cada imagem que observam, são muito
distraídos perdem-se, quase sempre, com ilusões enubladas por uma miopia
constante distorcida, permanente.
A
minha barriga é proeminente e estou a consciencializar-me que nunca será
pequena, repleta de doces e iguarias, na tentativa de ajudar os olhos na sua
procura pelas estradas da felicidade vai-se enchendo cada vez mais, cada paladar
é um encontro inesperado com um caminho diferente. Anda desiludida, solitária,
mas muito sonhadora e ansiosa de vida.
Sou
o Leão e o Cordeiro.
Perseguida
por uma esquizofrenia constante, gosto de me sentir, a mim, na minha pele.
Sou
sem dúvida e minha melhor: amiga, empregada, patroa, confidente, gestora…
Ainda
na solidão sou escoltada por imensas pessoas, a minha imaginação é constante, as
minhas mãos são sempre as primeiras a limpar as minhas lágrimas, a minha voz é
sempre o som mais familiar que reconheço.
Quando
me olho ao espelho nem sempre me identifico, os movimentos que crio no meu
cérebro nem sempre são os que o meu corpo agiliza, a minha pele nem sempre está
sedosa, o meu cabelo nem sempre ondula, mas dentro de mim voam pássaros,
agitam-se mares, sente-se a relva fresca debaixo dos pés descalços, ainda que
inchados têm a capacidade de planar voando pela magia que é a vida.
Esta
estranha que me habita é a minha melhor companhia, espero que assim seja
sempre, pois quando deixar de a sentir ficarei mergulhada num profundo vazio,
num mundo escuro, oco, sem significado, sem verdade, sem vida.