Desde sempre me lembro dela, provavelmente mesmo muito antes
de ter consciência de mim própria já distinguia o seu tom de voz.
Recordo-me da sua capacidade para se isolar, ficando horas
no meio dos seus puzzles, dizendo muitas vezes que quantas mais peças tivessem
mais espetaculares eram. Sobre a alcatifa cinzenta do nosso quarto jogava horas
com as imensas e minúsculas pecinhas, num quebra-cabeças desenfreado.
Adorava ler, perdia horas nas inúmeras histórias que as
páginas lhe iam oferecendo, herança incontestável do meu pai, que sempre lhe
incentivou o gosto, oferecendo-lhe as coleções que ela ia pedindo das histórias
juvenis.
Quando se embrenhava no seu mundo eu sabia que não a podia
interromper, como menina mais velha, sabia impor as suas regras.
Recordo-me das tardes de Verão, daquelas bem quentes, em que
é impossível estar em casa, muito menos quando se é criança, em que íamos às
amoras nos campos, perto da casa da minha avó, depois cobríamos os frutos com
açúcar, no final do manjar ficávamos com a cara, mãos e roupas todas pretas e
com a barriga satisfeita, conseguia sempre mais amoras do que eu, algo que não
me agradava muito.
Sempre muito organizada, mantinha os seus brinquedos
“estimadinhos”, e isso enervava-me, pois as minhas mãozinhas traquinas nunca
lhes podiam tocar, e o que eu gostava de uma tábua de passar a ferro que ela
tinha, com um ferro que aquecia e tudo, e das suas folhinhas de cheiros, e da
sua “Barbie e do Ken”, bem mas então isso era sagrado, às vezes “roubava-os”
para brincar um bocadinho, talvez por serem o fruto proibido era bem mais
apetecido.
A verdade é que idolatrava aquela menina mais velha, tentava
imitar tudo o que fazia, mas como eram coisas que eu dificilmente compreendia
por serem muito calmas para mim rapidamente desistia.
Com os seus cabelos longos e vestidinhos bem coquetes,
transbordava cultura, e quando falava eu bebia as suas palavras, com sede de
aprender tudo o que dizia.
Quando me trazia doces de um quiosque perto da sua escola eu
devorava-os em segundos, nunca compreendi como é que os seus cresciam na sua
caixinha, acho que já se revelava aí a sua capacidade de economizar, anda me
lembro, como se tivesse sido ontem, o cheiro que emanava daquela caixa quando
lhe retirava a tampa, cheia de gomas, pozinhos, rebuçados, pastilhas elásticas
e todo um mundo de sabores, o que eu gostava daquilo, uma vez ou outra lá lhe
roubava algumas e mesmo assim elas parece que cresciam…
Adorava ver os filmes que ela gostava, às vezes nem entendia
nada por não se adequarem à minha idade, mas via-os só por ela os ver. Ainda me
lembro de adorar ver o Twin Peaks, eu teria os meus 8 anos, e não era de todo
uma série para a minha idade, ficava colada à televisão com os olhos quase a
fecharem-se de sono, e a tremer de medo, mas armada em adulta lá via, nem que a
isso se seguisse uma noite de terríveis pesadelos.
Na adolescência tornou-se um ícone da moda, com o seu estilo
fabuloso, repleto de roupas que eu adorava. As suas roupas para mim eram um fascínio,
de quando em vez lá lhe roubava algumas para poder ir para a escola a transbordar
de estilo, algo que a enervava tanto, tanto que a sua fúria era bem maior do que o
buraco do ozono, contudo para mim valia bem o risco.
De pele branca, cabelo escuro, baixinha e cinturinha
delgadinha, qual Branca de Neve, assim é a minha irmã, alguém que me acompanhou
desde sempre e marcou toda a minha essência e o meu carácter, não seria a mesma
pessoa se ela não me tivesse acompanhado neste percurso de uma vida.
Carácter forte, muito senhora do seu nariz, personalidade
segura e lutadora, inteligente como só ela, inacreditavelmente teimosa assim é a
mulher que tem um sangue exatamente igual ao meu a correr-lhe nas veias, minto
o dela deve ter menos colesterol.
Aqui fica o meu texto de PARABÉNS, sim porque ela fez anos
ontem, especialmente porque é uma grande mulher que eu admiro muito, e por isso
mesmo encho a boca para lhe dizer - PARABÉNS - quando for grande quero ser como
tu.