Acabadas de sentar num banco de jardim, na Avenida Diagonal,
íamos começar a comer fruta, para descansar um bocado os pés, já bem estafados,
fomos surpreendidas por uma scooter que a alta velocidade me apareceu,
colocando-se mesmo em cima de mim, agarrando, à velocidade de um furacão, o meu
saco e fugindo rapidamente pela avenida.
Por momentos julguei ser um pesadelo, pois tão rápido estava
bem, como tão de repente estava sem nada, sem qualquer pista ou descrição para
os apanhar.
Senti-me completamente só, numa cidade imensa, com milhares
de motos em todas as ruas, todas com o som daquela que possuía as minhas
coisas. O barulho do motor entrou-me na cabeça de uma forma tão intensa, quanto
a rapidez do assalto.
Comecei a tentar lembrar-me dos pormenores dos malditos
ladrões, e recordei-me que a mota era cinza, com caixa atrás, eram dois
assaltantes, vestidos de negro, com capacetes também eles negros, o braço era
de pele escura, pormenores que não me saem da cabeça.
Naquele
instante fiquei em estado de choque, sem qualquer tipo de reação, só ouvi a voz
da minha amiga a dizer “corre, corre, talvez os apanhes”, como uma máquina
comecei a correr pela avenida fora, mas a moto fugiu com toda a sua força sem
deixar qualquer rasto.
Entre o barulho dos automóveis, do frenesim da cidade
perdi-os de vista, perdi com isso todas as minhas coisas, levaram com eles a
máquina fotográfica (emprestada por uma amiga), o guia da viagem, o telemóvel, a
carteira com a minha identificação e o dinheiro – reservado para os restantes
dias de férias, os óculos de sol, na altura julguei que também me tinham levado
os cartões do banco.
Senti-me vazia, horrorizada com toda aquela situação, nunca
tal me tinha acontecido, julguei que com eles também levavam a minha
estabilidade, a minha segurança, a minha independência de andar sozinha para
todo o lado.
Como é que tal aconteceu, a mim, que sou uma pessoa
cuidadosa e extremamente atenta a tudo o que me rodeia? Como é que eu não vi a
matrícula da mota? Porque é que eu não agarrei o saco com toda a minha força? Porque
é que me sentei naquele banco naquela hora? Porquê a mim que estava a
deliciar-me com a cidade? Porque é que me roubaram a magia que se instalava em
mim a cada segundo que conhecia mais e mais? Porque é que não entrei na casa
Batlló e na Pedrera, pelo menos tinha visto aquelas maravilhas e levavam menos
dinheiro, provavelmente nem teria sido assaltada. Porquê?
No meio do desespero e das lágrimas que me cobriam a cara,
corremos desesperadas pelas imediações na tentativa de os avistarmos, de vermos
o saco caído em qualquer lado, mas nada - não encontramos nada.
Numa tentativa de auxílio recorremos às pessoas que nos iam aparecendo a perguntamos se tinham visto alguma coisa, mas as respostas foram negativas. Até que uma senhora nos deu indicações para a primeira medida que tínhamos de tomar, pois com toda a situação nem nos lembramos, devíamos imediatamente procurar uma esquadra, ir até à Praça da Catalunha o mais rápido possível para cancelarmos todos os cartões.
Numa tentativa de auxílio recorremos às pessoas que nos iam aparecendo a perguntamos se tinham visto alguma coisa, mas as respostas foram negativas. Até que uma senhora nos deu indicações para a primeira medida que tínhamos de tomar, pois com toda a situação nem nos lembramos, devíamos imediatamente procurar uma esquadra, ir até à Praça da Catalunha o mais rápido possível para cancelarmos todos os cartões.
Deciframos os caminhos mais rápidos para lá chegarmos o quanto antes. No meio de passadeiras, semáforos, trânsito, centenas de pessoas que nos iam aparecendo, barulho intenso e agudo das motos, talhamos o caminho, eram tantas pessoas mas julgo que ninguém nos via, no sentido de perguntar “O que se passa? O que têm? Precisam de ajuda?”, nada, senti um vazio como nunca senti na vida, como é que andava tão cheia de alegria, de curiosidade, e de repente senti-me nua, sem nada, com vontade de desaparecer, de pegarem em mim e me levarem para o meu quarto, fechar-me lá e chorar, chorar com toda a minha força.
Os meus olhos corriam desesperados à procura de um polícia,
mas nem um apareceu para me ajudar.
Andamos imenso mas nem me apercebi das distâncias, o meu
corpo ganhou uma força gigante, imensa, naquele momento sentia-o indomável,
capaz de aniquilar quem me colocou naquele estado, a viver um conjunto de novas
emoções que queria repelir, que não queria sentir, só me apetecia gritar
SOCORRO roubaram-me tudo.
Mal avistamos as escadas em direção à esquadra, na Praça da
Catalunha, entramos por lá dentro como se fosse a última hipótese de salvação.
Até que olhei em volta e vi imensa gente na mesma situação
em que me encontrava, como um despertar para a realidade entendi que eu fora
apenas mais uma vítima.
Senti alguém a olhar-me com preocupação e apesar de não ter
farda entendi que esse rapaz iria fazer algo por mim.
Era o interprete da força policial “Mossos d’ Esquadra”,
perguntou-me de onde era e se podia falar em inglês, sentamo-nos e muito
calmamente, perguntou-me o que se tinha passado, expliquei-lhe tudo entre
lágrimas e muita tristeza. Para mim, naquele momento, não estava mais ninguém
naquele local, só eu e aquele perfeito desconhecido.
Recordo-me que me perguntou se estava bem fisicamente, ao
que eu respondi afirmativamente, apesar de muito assustada, disse-me que tive
imensa sorte pois a maioria dos assaltos em Barcelona são violentos, não estar
magoada era o mais importante. Com um discurso calmo falou-me da importância
que a vida deve ter para cada ser humano, pois os bens materiais, são apenas
isso – materiais, vão e vêm, mas que a vida é insubstituível e eu estava viva,
ainda, com um mundo para descobrir, novas desilusões, acontecimentos
inquietantes iam-me voltar a acontecer e aquele era só mais um, mas que isso
nunca me poderia roubar a alegria, o acreditar que é bom estar vivo, para
sentir o bom e o mau da vida, que um dia ainda me iria rir daquele triste
acontecimento.
Falou-me dele, e questionou-me se queria saber as suas
histórias, e que mesmo as mais horríveis não lhe fizeram perder o amor pela
vida. Disse-me que era da Geórgia e que em pequeno também ele fora vítima de
assalto, a diferença é que lhe apontaram uma arma à cabeça e o obrigaram a
tirar a roupa e as sapatilhas, naquele momento ele disse “take it”, “são só
coisas, a minha vida é muito mais importante, ainda me tenho a mim próprio”.
Mais do que uma conversa, aquilo para mim foi um despertar, como que um acordar. Entendi que no dia-à-dia andamos tão
preocupados com coisas banais, sem qualquer significado, só quando nos
deparamos com situações como aquela é que entendemos que a vida é a nossa maior
fortuna, entendi que naquele banco de jardim podia ter levado um tiro, e
podiam-me ter roubado algo muito mais importante do que o saco e uns bons euros
que tanto me custaram a ganhar, mas podiam ter apagado de mim a verdadeira chama - a da vida.
Nunca mais me vou esquecer da forma como ele me ouviu, ultrapassando
a barreira da língua e do intenso medo que me atropelava o raciocínio, falei
com ele como se o conhecesse, como se falássemos a mesma língua. Na esquadra
entravam a cada segundo mais e mais pessoas para registarem as suas queixas,
algumas bem piores do que a minha, mas aquele rapaz não deixou, por isso, de
estar ali, para me acalmar, e apaziguar a alma.
Explicou-nos todas as medidas que teríamos que tomar como:
Cancelar imediatamente todos os cartões bancários, registar a queixa (algo que
não poderia ser feito naquela esquadra pois fechava às 20:00h e já tínhamos
ultrapassado bem o horário, não podendo, por isso, registar nada), teríamos que
ir à esquadra mais próxima que se situava numa das ruas transversais das Ramblas,
para impedir a utilização de qualquer documento meu, bem como, ter um documento
formal de registo, pois mais rapidamente poderiam tomar medidas para encontrar
os larápios, contudo, alertou-me logo para o facto de nunca mais encontrar o
dinheiro e os equipamentos, poderia encontrar os documentos mas seria algo
complicado. No dia seguinte teria de ir ao consulado Português para me emitirem
um documento de identificação para poder viajar, dado que a Ryaner não permite
viajar tendo apenas a queixa da polícia.
Despedimo-nos daquele
rapaz que me deu alguma estabilidade e me abriu os olhos para ver o mundo de
outra forma, mais intensa, mais desligada dos bens materiais e aprender a viver
cada dia, e cada hora como se fossem os últimos, pois num momento estamos bem, mas
logo de seguida poderá estar tudo terrivelmente, desesperante e inalteravelmente
perdido.
A vida afinal é isso mesmo uma caixa imensa de surpresas, algumas
bem perigosas.
Saí de lá um pouco mais calma, com um conforto inexplicável emitido
pela voz daquele rapaz que me fez ver a importância masculina neste tipo de
situações. Guardarei para sempre aquela conversa, espero nunca mais esquecer
aquelas palavras e aquela sensação que só ele me conseguiu dar.
Seguimos para a segunda esquadra onde fomos recebidas por
alguém bastante mais desligado, impessoal, o que me deixou um pouco
desconfortável.
Como o intérprete já tinha saído, comprometemo-nos a entender
o Catalão para assim registarmos a queixa formalmente, caso contrário só o poderíamos
fazer no dia seguinte, algo impensável, pois o meu objetivo era tomar medidas
de tentativa de reaver as minhas coisas e a minha paz o mais rapidamente possível.
Muitas das vítimas de assalto não tiveram a mesma sorte pois só sabiam falar em
Inglês, o que gerou algumas discussões, tornando todo aquele ambiente, ainda
mais desconcertante.
Dado que tinha descrição dos ladrões, deveria ser recebida
por um inspetor registando a queixa de forma descritiva e não com o recurso a
um mero questionário, tão habitual naquelas esquadras.
Fomos recebidas por um polícia, extremamente simpático,
enfim, tivemos alguma sorte pela forma como os “Mossos d’ esquadra” nos
receberam, pois num final de dia, depois de registarem centenas de reclamações
e observarem a inquietude das vítimas ainda tiveram paciência para me
acalmarem.
Dialoguei com ele num Português Espanholado e ele lá me
entendeu, dizendo pelo meio algumas brincadeiras para me distrair de toda
aquela situação.
Terminando o inquérito com a frase: “bebe uma cerveja, vive
a cidade e esquece o que se passou, tens de te distrair pois já passou e estás
bem”, “sorri, não fiques assim triste”. Tive noção que devia sorrir
para a vida, apesar das imensas contrariedades que ela tem.
Mal saí à rua a minha vontade era correr para o Hostel, para
tentar ficar em segurança, tal era o medo daquelas ruas repletas de gente, com
aquelas expressões de felicidade e de contemplação da cidade, via agora que
eram as vitimas ideais para os imensos ladrões que se espalhavam um pouco por
todo o lado.
Mais atenta entendi os olhares, a observação dos que se
encostavam às paredes daqueles históricos edifícios que, com toda a certeza, já
teriam assistido a milhares de histórias iguais á minha e outras bem mais
dramáticas.
Depois de muita conversa, lá deitei a cabeça na almofada,
ainda, com o som ensurdecedor das motos e da imagem daquele braço a invadir-me
a privacidade – as minhas coisas.
Entre muitas lágrimas lá me apareceu a voz daquele polícia
que me conseguiu aquietar e acalmar novamente.