segunda-feira, 2 de julho de 2012

Quem não tem cão caça com gato 2

Então não é que os Nouvelle Vague estiveram tão perto de mim, juntamente com a Inês Castel Branco, Dalila Carmo e por aí fora, também perto de mim esteve um penedo onde me sentei, coberto de musgo, com Guimarães aos pés, o frio a entrar-me pelos poros e o som maravilhoso do grupo Francês.
Chegar ao lugar VIP não foi fácil, só alcançável para alguns iluminados, longe das confusões, bem sentadinhos, ficará para memória futura, e espero que o local se mantenha intacto por muitos e bons anos, quem sabe um dia não voltamos a necessitar de uma boa poltrona...

O que sentes quando fazes teatro?

A questão “O que sentes quando fazes teatro?”, faz-me ficar constantemente sem palavras, tal é o misto de emoções que me invade os sentidos, de tal forma intenso, e avassaladoramente indiscritível.
Sou uma amante de teatro, ele persegue-me a imaginação, a música leva-me inevitavelmente para as personagens que vou criando nos meus sonhos, a contemplação dos espaços, pessoas, expressões, sensações que vou roubando das ruas, dos jardins, das viagens, da sociedade, idealizo-os e atiro-os para a arte.
Vou criando uma e outra característica, dando e dando, construindo seres intensos, que arranco das folhas de papel donas apenas das suas frases, privadas de sons, de cheiros, de movimentos, de intensidades, são vagas, por vezes, muito vagas.
As figuras têm a audácia de se entranharem em mim, perseguem-me por todo o lado, acordam e deitam-se comigo, invadem-me os sentidos quando menos espero, às vezes até são chatas e quando as quero mandar embora, para que sigam o seu caminho, elas continuam lá. Por vezes quero conhecer outras e elas teimam em ficar, misturando-se nas emoções de outros personagens. O que me deixa fora de mim, enerva-me, pois não compreendem que o tempo delas terminou, e quanto mais as conheço mais difícil se torna a separação. Por vezes são manhosas porque me atropelam os pensamentos e quando julgo que se foram embora, lá aparecem elas, confundindo-se com outras figuras.
Quando as levo para o palco, e nos dias em que elas decidem aparecer é realmente mágico, há também situações em que se lembram de não aparecer, isso acontece quando me lembro menos delas, como que amuadas - vingam-se, pregando-me partidas deixando-me sem chão. Às vezes, até elas, desiludem…
Mas quando tudo corre bem e todos as conseguem ver, a capacidade criativa da imaginação voa pelo palco e mexe com as emoções, é algo incontestavelmente divino.
Julgo que o teatro faz parte de outra dimensão, onde poucos são tocados por uma varinha de condão para ajudar a humanidade a sonhar, às vezes por caminhos mais ou menos difíceis.
Fintam-se as culturas, as línguas, as incapacidades, os sentidos e voa-se pela alma.
Para mim é no teatro onde o actor é colocado à máxima prova, porque não há hipótese de subterfúgios, a personagem é ou não é credível, e tem de sê-lo do início ao fim da peça, caso contrário ninguém imagina, vê ou sente nada.
Acabada de fazer uma formação teatral, venho a transbordar de alegria, pois encontrei o método mais adequado (julgo eu), para encontrar a essência das histórias, uma técnica, uma arte que procurava à tanto tempo e me esgotava mentalmente. Entendi que para as descobrir deveria antes de tudo cansar o corpo fisicamente e libertar a mente de medos e isso só acontece quando o corpo está preparado a recebe-la. O que aprendi, e efetivamente constatei, é tão profundo como olhar para o nosso corpo e deixar de ver braços e pernas, para ver - penas, troncos, e milhares de histórias, que se criam pela imaginação, deixar o obvio e abrir caminho para outras narrações surreais, mas bem mais interessantes.
Não poderia nunca dizer o que sinto quando vejo ou faço teatro, porque é um conjunto tão grande de emoções, muitas delas até desconhecidas na minha vida diária, que descrever algumas seria muito vago.
Se eu podia viver sem o teatro? Sob a forma como eu o sinto, como me leva aos caminhos da imaginação, o arrepio de todos os sentidos, não podia, pois deixaria de ser eu, com a minha verdadeira e sincera essência.