sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Avó


Cabelo branco, pele morena, baixa estatura, mãos cansadas com as veias salientes marcadas por anos de existência, olhar escuro cheio de ternura, vestes, quase sempre, negras - marca de uma vida cheia de estradas com muitas curvas, assim é a minha avó.
Senhora feita de uma matéria que já não se fabrica nos dias de hoje. Encarou sempre a sua vida com garra e coragem. Determinada a dar felicidade aos seus, nunca se preocupou muito com a sua, nela não existe nada de egocentrismo e as réstias que podia ter de tal sentimento foram-se perdendo em cada parto que teve (e foram muitos).
Criada sem pai, conheceu as agruras da vida muito cedo, como ela muitas vezes diz: “comi o pão que o diabo amassou”, e muitas vezes nem o pão amassado pelo diabo tinha. Uma infância passada nos tempos em que em Portugal se passava fome, muita fome, os primeiros sapatos que teve, segundo ela, “eram uns socos lindos, de um verniz muito brilhante, no dia em que a minha mãe mos deu, não consegui parar de olhar para eles e até dormiram comigo, não os usava nos pés porque não os queria gastar”.
Saí a ela na minha gulosice, que adora açúcar. Nos tempos da sua infância não existiam doces, ou melhor ela não os conhecia, bolos nunca os provou em pequena, nem rebuçados, nem nada que se parecesse, apenas o mel usado para fazer os “mexidos” no Natal e o “sarrabulho”.
Começou a trabalhar mal terminou a antiga 3.ª Classe, e o que mais me espanta é que escreve muito bem, sem dar um único erro ortográfico, como a visão já teve dias melhores tem alguma dificuldade em ler ao perto.
Lá do alto dos seus quase 80 anos tem um brilho no olhar que muita gente com um terço da sua idade não possui.
A minha infância foi passada com a sua companhia diária, muito me ensinou, tinha sempre uma história para me contar como exemplo para me ensinar isto ou aquilo, sempre adorei ouvi-la falar “dos seus tempos”, que na minha cabeça criavam filmes com sons, aromas, cores, emoções. Muitas das histórias pareciam retiradas de uma qualquer novela ficcionada. Foram incontáveis e indescritíveis os momentos que eu criei ao som da sua voz.
Num cem número de traquinices nunca me castigou, ou sequer foi severa comigo, era o meu porto de abrigo nos meus momentos de tristeza, sempre com um sorriso de ternura.
Os anos vão passando e tem-me perseguido um medo aparentemente infundado mas que me tem consumido, o dia em que as pessoas que amo deixem de estar na minha vida.
Tenho pensado muito nisso, nunca tanto como agora, sei que se deve viver cada momento como se fosse o último, aproveitando cada dia, mas mesmo seguindo a preceito o ensinamento a falta vai continuar, os dias vão seguir, os lugares vão ficar vazios, e as saudades vão ser imensas e destruidoras. Porque é que as pessoas fabulosas não vivem para sempre de corpo e alma e não apenas no nosso coração?

6 comentários:

  1. Fantástico...adorei ler todos estes textos.

    Escreves com muita espontaneidade, sem deixar de lado o rigor da escrita. Consegues persuadir os leitores até ao fim, seja para duas frases seja para duas páginas, sem que nos fartemos. Ahhh e ainda consegues ter sentido de humor (e quem te conhece sabe o que digo...) Em frases muito simples expressas sentimentos e fazes-nos fazer uma retrospectiva no tempo e refletir na nossa realidade e o que nos vai na alma.

    Enfim, que mais posso dizer :-)

    Espero ver mais comentários aos teus magníficos textos, pois sei que te dão força para continuar...

    Felicidades

    Mónica Oliveira

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  2. Mónica és uma querida, obrigada pelas tuas palavras, fico muito contente que gostes dos meus devaneios, espero que te venhas sentar muitas vezes comigo.

    Beijinho

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  3. Concordo plenamente com a Mónica! A tua forma de contar as coisas é cativante, divertida, sincera, espontânea e, para mim (principalmente neste texto, em que me revejo pessoalmente - porque a avó também é minha!)muito emocionante!

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  4. Ah! E vê lá se manténs o ritmo de escrita porque (te garanto) todos os dias venho cá espreitar à procura das novidades! Beijinhos, manocas!

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  5. Este novo ano trouxe com ele o ânimo da escrita que andava meio adormecido.
    Vai puxando a cadeira e sentando-te ao pé de mim para partilharmos algumas palavras…

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  6. Fico satisfeita por ver que continuas com o dom da escrita... Assim poderás continuar a maravilhar-nos com os teus textos. Em especial este, onde também eu revejo o meu avô. As histórias de vida são muito semelhantes. Infelizmente ele já partiu, mas ficaram as memórias e as histórias que guardarei para sempre. Sei que também tu guardarás as memórias da tua avó e será a tua inspiradora para quando tiveres os teus netos :) Entretanto aproveita cada momento. Beijinhos

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