quarta-feira, 22 de maio de 2013
sexta-feira, 10 de maio de 2013
Vergonha provinciana
Fico profundamente revoltada com
os críticos armados em intelectuais.
Como lâminas bem afiadas apuram
língua e mãozinhas analisando profundamente as contribuições culturais dos
demais.
Esta espécie humana observa com
grande astucia os trabalhos dos outros, com o único intuito de encontrarem
alguma aresta menos polida, para depois poderem encher a boca para a censura do
esforço alheio.
Redigem textos elaborados, com um
manejar de palavras mais ou menos rebuscadas para encetarem a sua tão
importante opinião. Geralmente nunca gostam do que observam, os espectáculos ficam
sempre a anos luz das suas tão elevadas ambições.
Como cobras venenosas estão
sempre prontas a lançar o seu veneno.
De braços bem cruzados e corpinho
descansado, acomodam-se nas suas acolhedoras casas, ou no diálogo erudito num
qualquer café de beira de rua, em horas de trabalho profundo em torno da arte
das conversas do dia a dia.
Os criticados, por sua vez,
esfolam a alma e o corpo na procura de algo para dar aos outros, em muitos
casos de forma totalmente gratuita, deixam de comer, de dormir, de ter feriados
ou fins-de-semana, em horas e horas de trabalho pós laboral, fazem-no por um
profundo amor e até generosidade. Não exigem nada, não procuram o êxito, ou
aclamação pública, mas sim a cultura, a melhoria do seu interior e a dos Grupos
a que pertencem, fortalecendo a vida dos demais.
Por tradição os críticos armados
em intelectuais vivem com o olho posto na vida dos outros, quais coscuvilheiras
de beira de esquina. Regra geral não acompanham, não contribuem, nada fazem
para que as coisas melhorem, sejam diferentes, não arregaçam as mangas para o
trabalho, não dão nada mas também nada recebem, pois no ato de cair e levantar,
no procurar, no desbravar também se encontra uma sabedora e uma felicidade
imensa -impagável.
Os críticos iluminados enchem a
boca para falar mal de tudo, não no sentido da crítica construtiva, porque
essas sim são bem-vindas, fazem parte de um crescimento conjunto e contribuem
para a crescente melhoria. Pelo contrário, falam por falar, sem conhecimento de
causa, sem participação, e sem vergonha na cara.
Espanta-me que se teçam comentários
condenando as tradições de um povo, julgando-as e avaliando-as como “modelo
perfeito de provincianismo”.
Caso os mais críticos eruditos
ainda não tenham percebido, a cópia dos actos artísticos alheios não é a
solução, nem económica, nem artística, muito menos cultural. Devíamos todos
procurar nas nossas raízes, as tradições, os costumes, a alma comum, a nossa
história, orgulhemo-nos dela, usando-a como bandeira de crescimento em termos turísticos
nacionais e internacionais, porque o caminho dos nosso querido país à beira mar
plantado è mesmo esse e não outro.
È uma vergonha sentir vergonha das nossas
gentes, do nosso povo, daquilo que nos faz ser diferentes de todas as outras
terras.
Eu também tenho uma grande vergonha por todos
aqueles que se escondem, envergonhados, cobardes, verdadeiros incultos que
ainda não compreenderam que a grande aprendizagem acontece pela observação,
participação e entrega às tradições genuínas, isso sim “è uma cultura
comprometida” e não na cópia de frases feitas pelos outros.
Afinal aquilo que somos deve ser
genuíno, autentico, único, real sem cópias e imitações foleiras, digo eu….
quarta-feira, 8 de maio de 2013
Tudo muda…até as pessoas
A minha
existência foi sempre silenciosa, pacifica, controlada. Obrigação implícita à
minha condição natural de retrato.
Perdi a noção
do tempo, cada badalada do relógio grande cá da sala era uma nova queda na
minha nostalgia.
Já nada é o que foi, tudo muda…até as pessoas.
Até mesmo a mesa de carvalho, robusta que o Sr. Dr. comprou, faz
muito tempo, tem a madeira gasta, já não tem o cheiro de outras épocas, que
tanto me agoniava.
Uma das suas grandes pernas já estalou e está por pouco para
partir, nem na Páscoa é envernizada. O que esta casa foi e o que é…
Não me recordo como aqui cheguei, sempre me conheci assim, sei que
tenho a imagem da D. Teresinha reflectida, e não podia ter outra, gosto de a ter
em mim.
Ficava profundamente revoltado se pelo contrário tivesse a imagem
de seu pai o Sr. Dr. Florêncio, ui que ideia tenebrosa, estremeço de calafrios
de tal pensamento.
Recordo-me que gostava de se sentar na poltrona ao lado da janela
central, com o seu cachimbo - que raio de cheiro esquisito aquilo tinha.
Colocava as lunetas, observava o jardim exterior do casarão. Nem sei bem
porquê, nunca acalmou a sua fúria, nada o aquietava, nem mesmo o cachimbo.
A D. Teresinha sempre foi uma boa menina, desde pequena a doçura
era a sua companhia. Ao longo dos anos foi controlando a sua felicidade, os
sonantes sorrisos foram substituídos por tímidos movimentos de lábios.
Recordo-me da sua insistência para aprender a tocar piano, mal chegava com os
pés ao chão e os seus dedinhos já enchiam esta sala de magia. Os seus
dedinhos…quais pequenos ramos de flores… as conversas que ela tinha comigo, os
sonhos que me foi desvendando.
Nos seus tempos de infância nunca tinha pó pousado em mim, a D.
Lucélia - sua mãe, fazia questão de manter a ordem, e a limpeza era a regra
máxima.
As lições que a D. Teresinha recebeu - eram horas e horas de
normas e regras, quais decretos governamentais da condição de mulher: Como
comportar-se em público, como comportar-se em casa, como tratar das lides
domésticas, como sentar, como levantar, como olhar, como respirar, como amar…
Bem mas quanto a este tema a menina não cumpriu as regras, ainda
me recordo, do seu ar de inquietude quando conheceu o seu grande amor - o
António.
Chegou a casa ao final da tarde depois de muitas horas a passear
pelo jardim, coradinha de emoção, tremia, os seus olhos tinham um brilho que se
manteve até ao ano passado.
Lia e relia cartas e bilhetinhos, tocava músicas alegres no piano,
rodopiava ao som do silêncio, só o seu coração se ouvia.
Quando as amigas descobriram o motivo da sua alegria rapidamente a
condenaram, pois o Sr. António não era da sua condição, um pobre carpinteiro,
sem estatuto, alienado de uma boa condição social.
Era frequente dizerem à menina que nada teria para aprender com
ele, que era uma vergonha, que ia ser infeliz e uma pobre coitada.
Sempre umas invejosas aquelas meninas! Nunca compreendi o porquê
das mulheres não se auxiliarem nos seus medos, e à medida que os anos iam
passando a pontinha de ciúmes estava presente, com conselhos mais invejosos do
que verdadeiros.
Quando o Sr. Dr. soube foi um terror, as pisadas daquele homem a
entrar na sala eram como machadadas na minha moldura, aquela voz sonante
balançava os candeeiros, até o Tobias - o gato cá da casa, esteve dias sem
aparecer.
Mas a menina Teresa certa dos seus sentimentos enfrentou aquele
homem austero, tenho em mim que o via como um desconhecido, nunca soube o
verdadeiro valor daquela filha.
Como uma guerreira disse que faria tudo o que preciso fosse para
ficar com António, nem que para isso tivesse de fugir. Estremeço só de me
lembrar do som do estalo que levou. As lágrimas ficaram presas nos olhos, mas a
menina externamente não chorou.
No dia do seu casamento a sala foi toda decorada com flores, a luz
da Primavera entrou como convidada principal. Pegaram-me tantas e tantas vezes,
observando-me como se de uma relíquia se tratasse com comentários de admiração
pela beleza da menina, uns quantos também criticaram o facto de ser muito
roliça - uns maldosos…
O António fora a sua luta vitoriosa e a mais certeira, sorrio
só de me lembrar da forma como olhava para a menina, pegando-lhe na mão e
beijando-a com toda a doçura e desejo de um imenso amor. Respeitava-a como
ninguém o tinha feito até então, ficava feliz por sentir o cheiro da Teresinha
nas suas mãos, comungavam dos mesmos delírios, compreendiam-se, o diálogo nunca
escasseou nesta sala, nem o jornal o demovia de a ouvir, a casa sempre foi o
seu refúgio. Não usavam a expressão “Amo-te”, julgo até que nunca os ouvi
proferi-la um ao outro, mas talvez nunca tenha sido necessário.
Gostava especialmente da forma como o Sr. António me observava,
aquele olhar também a mim me fazia feliz…
Não foi fácil gerarem filhos, a Teresinha passou anos de tortura,
sonhava com a sua barriga a crescer, imaginava a criança a nascer em si, a
pegar-lhe, a afagar-lhe o pequeno rosto, a segurar-lhe nas mãos, a tapá-las com
os cobertores de malha confortáveis, que ia costurando no cadeirão do Sr.
António e quanto mais imaginava mais distante lhe parecia essa certeza.
O olhar da menina foi perdendo brilho sendo dominado por uma
nebulosidade permanente.
Quando num Domingo pela manhã a Teresinha entrou na sala,
acompanhada de sonantes gargalhadas, roubadas dos tempos de infância, soube que
o milagre tinha acontecido – a menina só podia estar de esperanças, a vontade
transformara-se em realidade.
Foram meses de alegria…
Mas o parto foi aterrador, como o Francisco era uma criança
gordinha a Teresinha sofrera bastante, uma dor intensa da carne, acompanhada de
uma felicidade transcendente e de uma curiosidade assoberbada. Quando o pegou
pela primeira vez cresceu em si uma profunda responsabilidade, o seu coração
dividiu-se em duas metades, uma delas colou-se ao ritmo do pequeno bebé, a
outra bombeava o próprio sangue para o organismo.
Amamentou-o com o seu ser, à noite só adormecia quando tudo estava
em paz com o pequeno Francisco, não um sono profundo, mas semi desperto,
realidade que nunca mais se alterou. Limpava-lhe as lágrimas com beijos, e
imensas ternuras, cantava-lhe músicas de embalar, contava-lhe histórias de
encantar, brincava como uma pequena garotinha com o seu menino, gastava as suas
mãos sedosas nas imensas roupinhas que lhe costurava. Ria quando o seu menino
sorria, chorava quando o seu pequenino chorava. As dores de Francisco foram
sempre o seu maior sofrimento.
Ao meu lado foi colocado o retrato do pequeno Francisco e no
princípio fiquei radiante de alegria, mas com o passar do tempo tudo mudou…
O colo do Francisco sempre foi o da D. Teresinha, quando se
magoava em alguma brincadeira, chegava a casa alvoraçado para a ternura daquela
mulher, os seus pesadelos eram transformados em doces sonhos, tudo era
apaziguado por aquela voz, ou pelo som das teclas do piano para o distrair de
alguma inquietude. As pautas foram sendo substituídas pelas notas preferidas do
pequeno.
O António sempre foi mais distante no aconchego de Francisco,
talvez pela condição natural de pai.
Sempre achei estranho nunca ter sido carregada pelas mãos do
Francisco, nunca se preocupou em saber a história da menina Teresinha, nem
sequer qual a sua música preferida.
Os anos foram passando e o pequeno tornou-se num homem muito
bonito, tudo muda...até as pessoas.
A D. Teresinha passava horas com o António numa compreensão total,
e profunda partilha de vivências.
O Sr. Florêncio partiu para um local com certeza defumado, escuro
e bem solitário, sitio de onde nunca devia ter saído, ainda me tentou partir
umas quantas vezes mas felizmente nunca conseguiu.
O menino Francisco perseguido pela ideia de seguir as pisadas de
seu avô saiu da terra rumo a Coimbra para seguir a carreira de advogado.
Foram bem escassas as vezes que regressou para visitar a menina,
inicialmente vinha amiúde, mas rapidamente as visitas foram rareando e com elas
as cartas e a proximidade.
A menina por sua vez, não passava uma noite sem pegar no retrato
meu vizinho, limpando as suas lágrimas do vidro.
Desculpava as ausências com mil e um argumentos em que só ela
acreditava.
O piano foi fechado com a chave e assim contínua, transferindo
todos os sons das suas teclas para um intenso silêncio.
Aos Verões seguiram-se as folhas caídas do Outono, e a eles os
Invernos carregados de estrondosas tempestades, as cantilenas dos pássaros na
Primavera não quebraram a atmosfera pesada desta sala.
Os cabelos brancos transformaram os cabelos negros de Teresinha
numa sombra daquilo que foram. A pele foi quebrando e enrugando, como o seu
coração que foi perdendo o vigor.
A tosse de António foi-se transformando na banda sonora daquela
cumplicidade.
As noites deram lugar aos dias, tudo muda... até as pessoas.
Até a imagem em mim reflectida perdeu o brilho, o pó cobriu-me as
entranhas e o reflexo de Teresinha já mal se reconhecia.
António partiu numa manhã de Outono, e com ele levou a pouca
esperança daquela mulher. Francisco não compareceu à cerimónia fúnebre,
impedido por imensos compromissos laborais.
A menina resignou-se à sua companhia, sentada no cadeirão a olhar
para a saudade do passado, tendo como companhia a sua memória, nem
o Tobias restou para companhia, as suas 7 vidas foram todas devidamente
esgotadas.
Aguardava ansiosamente a chegada do carteiro, na expectativa de
notícias do seu menino, aquele que em tempos fora o seu sonho - a sua
realidade, o seu objectivo supremo, a sua carne multiplicada em ser.
Eu e os vidros daquela grande janela fomos as testemunhas de
tamanha solidão.
Teresinha imaginava na incerteza os caminhos que seu filho
percorria, questionava-se pela sua saúde, pela sua alegria, pela sua
alimentação, pelos seus sonhos… Passava os olhos pelos seus dedos, quais ramos
velhos de árvores desnudadas, sombra daquilo que foram, agora vazios,
repletos de histórias, de memórias mas sem ninguém para as contar.
Deixei de ouvir o seu timbre, e que dor isso me causou.
Cheguei a desejar a sua partida, viver assim não era viver, já
nada fazia sentido, nada era o que fora, seu corpo estava há muito só, vazio,
inerte, tudo mudara...até as pessoas.
A minha Teresinha partiu num dia de Primavera, sentada naquela
poltrona de cabedal envelhecido.
Foram muitos os que chegaram para a despedida, até o Francisco.
Inundado de lágrimas beijou as mãos estáticas da sua melhor amiga,
aquela agora desconhecida, inerte, parada, gélida – partira.
De joelhos, Francisco, pediu perdão à Teresinha, e eu fui
testemunha de tal ato, era já tarde demais, nada podia mudar, a menina já não
podia cobrir a sua face de beijos, o seu corpo já não cheirava à sua mãe, nunca
mais ouviria a sua voz a aconselhá-lo e a dizer-lhe “meu filho”.
Tudo muda... até as pessoas.
Eu sou o retrato vago de uma memória do passado, da história desta
casa agora fechada, onde proliferam as teias de aranha e a escuridão, os sons
que oiço são apenas os das madeiras velhas, dos vidros que de quando em vez se
partem, e o cheiro, ui esse - é horrível um odor intenso a mofo que me aniquila
nesta enorme saudade de vida.
Nunca daqui saí, nunca daqui sairei, nunca me esqueci e nunca me
esquecerei da felicidade do passado e do reflexo que trago em mim.
Tudo
muda...menos o meu sentir.
terça-feira, 7 de maio de 2013
Saudades de um amor inexistente
Os olhos procuram no vazio a chama de uma emoção autêntica.
Como o vento forte a solidão destrói-nos.
Os risos lancinantes são sempre isolados.
As mãos enrugam-se, entortam-se, mutua companhia
inconsciente.
Os caminhos percorrem-se em silêncio, um silêncio atroz,
ensurdecedor.
As palavras ecoam fervorosa e dolorosamente na inquietude
devastadora da imaginação.
Os lábios minguam, secam de vontade, torturam-se, perdem a
voluptuosidade.
No deslindar da solidão tudo se transforma.
Nada acontece, nada muda.
A metamorfose do corpo acompanha a mutação da alma.
Verdade cruel ….
Desiludidos, os seios descaem, cabisbaixos, numa soturna
aniquilação da realidade.
Como um rodopio de teclas no piano, os ponteiros do relógio
vão fazendo a sua trajetória, perdendo o vigor em cada segundo.
O ventre vai mirrando como orvalho, dando lugar à secura, ao
pó - ao nada.
A vontade é alienada, substituída, amputada…
O coração é abandonado, ignorado ao seu infortúnio.
Nada acontece, nada muda.
A alma enrijece, descodifica-se, adoece.
A capacidade de sonhar vai-se apagando em cada por do sol.
As noites vão ficando cada vez mais frias, sedentas de
ternura, de amor.
As saudades de um amor inexistente vão destruindo a carne em cada
novo acordar da solidão.
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