sexta-feira, 10 de abril de 2015

O Actor


O actor acende a boca. Depois os cabelos.
Finge as suas caras nas poças interiores.
O actor pôe e tira a cabeça de búfalo.
De veado.
De rinoceronte.
Põe flores nos cornos.
Ninguém ama tão desalmadamente como o actor.
O actor acende os pés e as mãos.
Fala devagar.
Parece que se difunde aos bocados.
Bocado estrela.
Bocado janela para fora.
Outro bocado gruta para dentro.
O actor toma as coisas para deitar fogo
ao pequeno talento humano.
O actor estala como sal queimado.

O que rutila, o que arde destacadamente na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida pela solidão universal.
O espantoso actor que tira e coloca
e retira o adjectivo da coisa, a subtileza
da forma, e precipita a verdade.
De um lado extrai a maçã com sua
divagação de maçã.
Fabrica peixes mergulhados na própria
labareda de peixes.
Porque o actor está como a maçã.
O actor é um peixe.

Sorri assim o actor contra a face de Deus.
Ornamenta Deus com simplicidades silvestres.
O actor que subtrai Deus de Deus, e
dá velocidade aos lugares aéreos.
Porque o actor é uma astronave que atravessa
a distância de Deus.
Embrulha. Desvela.
O actor diz uma palavra inaudível.
Reduz a humidade e o calor da terra
à confusão dessa palavra.
Recita o livro. Amplifica o livro.
O actor acende o livro.
Levita pelos campos como a dura água do dia.
O actor é tremendo.
Ninguém ama tão rebarbativamente como o actor.
Como a unidade do actor.

O actor é um advérbio que ramificou
de um substantivo.
E o substantivo retorna e gira,
e o actor é um adjectivo.
É um nome que provém ultimamente do Nome.
Nome que se murmura em si, e agita,
e enlouquece.
O actor é o grande Nome cheio de holofotes.
O nome que cega.
Que sangra.
Que é o sangue.
Assim o actor levanta o corpo,
enche o corpo com melodia.
Corpo que treme de melodia.
Ninguém ama tão corporalmente como o actor.
Como o corpo do actor.

Porque o talento é transformação.
O actor transforma a própria acção
da transformação.
Solidifica-se. Gaseifica-se. Complica-se.
O actor cresce no seu acto.
Faz crescer o acto.
O actor actifica-se.
É enorme o actor com sua ossada de base,
com suas tantas janelas,
as ruas -
o actor com a emotiva publicidade.
Ninguém ama tão publicamente como o actor.
Como o secreto actor.

Em estado de graça. Em compacto
estado de pureza.
O actor ama em acção de estrela.
Acção de mímica.
O actor é um tenebroso recolhimento
de onde brota a pantomina.
O actor vê aparecer a manhã sobre a cama.
Vê a cobra entre as pernas.
O actor vê fulminantemente
como é puro.
Ninguém ama o teatro essencial como o actor.
Como a essência do amor do actor.
O teatro geral.

O actor em estado geral de graça.

Herberto Hélder

terça-feira, 7 de abril de 2015

Entre agulhas


As agulhas da vida saltam e partem-se imensas vezes, picando-nos as veias, arrancando alguma racionalidade e aniquilando as certezas.
Na minha vida as agulhas vão-me picando e requebrando em demasiadas ocasiões.
Talvez, por isso, goste de viver no fio da navalha. Este fio que me norteia, me inquieta e me mostra sempre os caminhos a seguir.
Gosto especialmente do encontro com as resoluções, daquele momento em que se descortinam os desfechos e os tormentos se vão embora, deixando-nos em paz, e finalmente serenos.
Aquela fração da vida em que o tempo quase que para, para que possamos encontrar a paz, e tudo se encaixa.
As soluções aparecem onde menos se espera e quando menos se espera, e é disso que eu gosto, da surpresa, de ser apanhada desprevenida.
Ontem fui…
As certezas voltaram, os objetivos implementaram-se de novo.
Não encontrei a estrada de tijolos amarelos, mas encontrei o inicio do caminho.
As agulhas picaram-me de tal forma, que entraram e perfuraram a carne alcançando a alma e o que há para além dela. Não posso fugir de mim própria por mais que tente, essa certeza ficou, pelo menos até ao próximo embate com as agulhas.
As soluções essas vêm apenas e só quando a calma e serenidade se apoderam de nós e não há volta a dar, é e será sempre assim.

terça-feira, 31 de março de 2015

Como água quente que me cobre o corpo, assim os pensamentos invadem cada canto do meu cérebro. Entram aos trambolhões, teimam e insistem em permanecer, por mais que os expulse, com gritos e palavrões, persistem e persistem como que uma droga, altamente viciante.
A sua presença não está nos meus planos, a sua existência não está nas minhas matemáticas.
Tranco o raio das portas e elas teimam em ficar entreabertas.
As certezas que fazem parte das minhas veias, transformaram-se em tremores incertos.
Nasce em mim uma vontade incontrolável de sair, fugir, para bem longe daqui deste meu sentir, deste meu tormento.
Apanhar vento fresco no rosto, sentir os pés bem fixos na terra, em terreno firme, seguro.
Encher de novo o corpo de certezas, de respostas, de caminhos bem sólidos.
Raio de palavra, a firmeza… Procuro-a de tal forma insistente, que ela teima em me fugir por entre os caminhos que vou percorrendo.
Sou indomável, sempre fui de tal forma que os pensamentos fogem-me, levando-me para locais distantes de mim, esses onde eu queria estar agora.
Como água fria desperto para este momento incerto que me desvenda e me requebra, sem qualquer aviso prévio.
Gélida é a água que me arrefece este momento.
 
 
 

sexta-feira, 20 de março de 2015


Chegou a Primavera e com ela vem também um pequeno Sol.

O grande dia é hoje, é hoje, ai que é hoje e eu não controlo estes nervos.